Passando por tempos difíceis... recebi um texto lindo, de uma "amiga de infância" virtual, e que caiu como uma luva pra mim hoje. Mais que um meio de sobrevivência, a internet tem me proporcionado essas coisas, a descoberta de pessoas nas quais me identifico e compartilho as pequenas coisas da vida.
De fato, sobre elas nada sei...a não ser que são pessoas lindas, sensíveis, especiais e que, com certeza, posso muito confiar.
Compartilho o texto como um desabafo. Um reflexo desse dia cinzento, que reproduz em suas cores o que sinto hoje em meu coração.
A pipoca - Rubem Alves
por Stael Guiao, sábado, 2 de outubro de 2010 às 15:40
As comidas, para mim, são entidades oníricas.
Provocam a minha capacidade de sonhar...
Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar.
Pois foi precisamente isso que aconteceu.
A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros,
sempre me pareceu uma simples molecagem,
brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas.
Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca.
E algo inesperado na minha mente aconteceu.
Minhas idéias começaram a estourar como pipoca.
Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar.
Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura,
de forma inesperada e imprevisível.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente.
As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.
Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.
São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa.
Só que elas não percebem.
Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos.
Dor.
Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho,
ficar doente, perder um emprego, ficar pobre.
Pode ser fogo de dentro.
Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso aos remédios.
Apagar o fogo.
Sem fogo o sofrimento diminui.
E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela,
lá dentro ficando cada vez mais quente,
pense que sua hora chegou: vai morrer.
De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente.
Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada.
A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.
Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece:
PUF!! — e ela aparece como outra coisa,
completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado.
É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar.
Minha prima, passada dos quarenta, lamentava:
- "Fiquei piruá!"
Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.
Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar.
Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.
A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura.
O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira.
Não vão se transformar na flor branca macia.
Não vão dar alegria para ninguém.
Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela,
ficam os piruás que não servem para nada.
Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram...
São adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida
é uma grande brincadeira!
Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar.
Pois foi precisamente isso que aconteceu.
Rubem Alves
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